A carreira científica na Medicina Veterinária Mato-Grossense
8 de julho de 2023 – Atualizado em 27/07/2023 – 12:28pm
No dia 8 de julho celebramos o Dia Nacional da Ciência e do Pesquisador Científico, data que remete à criação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), organização voltada para o desenvolvimento científico, tecnológico e cultural, base dos pesquisadores do país. Segundo a Academia Brasileira de Ciências, mais de 95% da produção científica do país são realizadas pela educação pública.
Em Mato Grosso, a maioria da produção científica encontra-se em universidades públicas, como a Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Os professores doutores da Medicina Veterinária da UFMT, Fernando Henrique Furlan Gouvêa e Richard de Campos Pacheco, que são pesquisador e orientadores do Programa de Pós-Graduação em Ciências Veterinárias (PPGVET) da Faculdade de Medicina Veterinária, partilham suas experiências na produção científica mato-grossense.
A Patologia dos campos
Fernando Furlan formou-se médico-veterinário há 18 anos, tem mestrado, doutorado e pós-doutorado. Ele é professor, orientador e pesquisador da UFMT campus Cuiabá. Suas pesquisas são voltadas para área de Patologia, sendo o foco animais de produção. O laboratório em que atua trabalha com pesquisas aplicadas em sua maioria oriundas de problemas do campo, trazidos por produtores. Atualmente, o professor dedica-se, entre outros projetos, ao estudo da descoberta da causa de um tipo de anemia, a qual vem causando a morte de bovinos em Mato Grosso, desde 2008, o que o leva a uma rotina no campo, além do laboratório.
Anemia hemolítica enzoótica em bovinos
A demanda trazida por produtores regionais levou ao estudo da possibilidade de pastagens super adubadas serem a causa da anemia hemolítica, que vem causando a morte de bovinos. As notificações vieram de várias partes do estado e, em todos os casos, foi verificado que os animais iam a óbito por anemia hemolítica e que os principais agentes causadores conhecidos não estavam envolvidos.
“Vimos que esse quadro repetia-se em diversas propriedades de modo que esta é uma enfermidade recorrente no Estado. É uma doença de causa desconhecida, porém, na verdade, nós estamos próximos de descobrir a causa”, explicou Furlan.
As pesquisas apontaram que a doença ocorre em pastagens que há interação lavoura pecuária, o aprofundamento dos estudos indicou que o que leva a anemia são pastagens super adubadas. Pastagens que não receberam uma adubação forte, a doença não ocorre.
Essas informações foram confirmadas, após experimento com um grupo de bovinos sadios em exposição a dois ambientes diferentes, sendo a pastagem com pouco adubo e a pastagem com super adubação. Os animais foram acompanhados, por meio de exames de sangue, do qual apresentaram resultados diferentes na exposição dos piquetes.
“Chegamos a conclusão que a pastagem está causando a doença, agora estamos aprofundando a pesquisa, através de uma parceria com o Laboratório de Pesquisas em Química de Produtos Naturais e Novas Metodologias Sintéticas em Química Orgânica – UFMT, para fazer um mapeamento do perfil químico da pastagem, onde aconteceu a doença. Queremos descobrir quais compostos químicos a pastagem está produzindo para causar anemia hemolítica”, afirma.
No laboratório de Parasitologia Veterinária e Doenças Parasitárias dos Animais Domésticos e Silvestres
O professor e pesquisador na UFMT, Richard de Campos Pacheco é médico-veterinário formado há mais de 20 anos, possuí mestrado, doutorado e pós-doutorado na área. No segundo ano de graduação, descobriu seu interesse pela parasitologia, área em que até hoje desenvolve e orienta suas pesquisas, dando ênfase a doenças transmitidas por carrapatos.
Richard dedica-se há anos na pesquisa sobre bactérias do gênero Rickettsia presentes nos carrapatos no estado de Mato Grosso. A pesquisa foi voltada à coleta de vetores e de material para pesquisa sorológica em capivaras entre os anos de 2014 a 2019. Hoje, alguns dos resultados da pesquisa já foram apresentados, enquanto outros passam por sua fase de divulgação.
Febre maculosa em Mato Grosso
A febre maculosa pode ser transmitida por diferentes espécies de carrapato do gênero Amblyomma e causada por espécies de bactérias do gênero Rickettsia, sendo que cada espécie pode levar diferentes formas clínicas da doença nos seres humanos, sendo Rickettsia rickettsii responsável pelos quadros clínicos mais graves e fatais da doença. Essa espécie de bactéria, transmitida pelo carrapato-estrela (Amblyomma sculptum) foi a responsável pelos casos de febre maculosa em humanos no estado de São Paulo no primeiro semestre deste ano.
As pesquisas do professor Richard não demonstraram a presença da Rickettsia rickettsii no estado de Mato Grosso, como era esperado pelo próprio pesquisador. “Para todos os carrapatos que testamos, de diversas espécies do gênero Amblyomma, inclusive o carrapato-estrela, como é conhecido o Amblyomma sculptum, os resultados foram negativos (para Rickettsia rickettsii). Isso já era previsto, uma vez que a gente tem casos notificados da doença aqui no estado, mas sem nenhum óbito, o que não é esperado quando você tem a circulação da Rickettsia rickettsii infectando seres humanos”, explicou o professor.
Além da pesquisa sobre as bactérias do gênero Rickettsia causadora da febre maculosa, atualmente o professor doutor desenvolve, acompanhado de seus orientados, estudos na área de protozoologia animal. Existem pesquisas relacionadas com protozoários infectando anuros, répteis e aves, além de seus vetores, envolvidos na transmissão desses protozoários, como mosquitos ou até mesmo carrapatos.
“Continuo nas doenças transmitidas por vetores. Em relação à febre maculosa, por enquanto a gente não está com nenhum trabalho em andamento, porém, continuo com minha linha de pesquisa de doenças transmitidas por carrapatos e sempre que aparece algo relevante iniciamos uma pesquisa nova” explicou ele.
A profissão de pesquisador
A área científica é algo que o professor Richard busca incentivar e apoiar aos alunos, sempre mostrando a realidade, a necessidade de perseverança e o esclarecimento de que é uma pequena área de atuação inserido no trabalho de professor. Em sua percepção, os maiores obstáculos encontrados no ramo estão relacionados à dificuldade de conseguir recursos, mas, apesar disso, é satisfatória.
“Eu tenho o privilégio de dizer que sou um profissional bastante satisfeito com o que eu faço aqui dentro, por mais que a gente tenha dificuldades de conseguir angariar recursos, isso faz parte de todo o processo de pesquisa”, compartilhou sua vivência.
Uma dica do professor é que os alunos busquem projetos de iniciação científica, a fim de entender e verificar sua afinidade com a pesquisa durante a graduação.
Já o professor Fernando Furlan relembra que apesar das dificuldades o Brasil é um dos poucos países que possuem ensino em pesquisa de forma gratuita, tendo, ainda, bolsas de auxílio.
“Nossos alunos além de não pagar mensalidade recebem a bolsa, então é um diferencial do Brasil. Nós temos, hoje, cinco alunos bolsistas de fora do país, os mesmos foram atraídos por essa modalidade de qualificação e pesquisa, bem como, a qualidade do nosso programa”, conta
Além disso, ele pondera que a carreira de pesquisa requer no mínimo 12 anos de estudo.
“A carreira de pesquisador necessita de várias qualificações. Hoje, é exigido pelo menos o doutorado em qualquer edital, empresa ou instituto. Para pessoa chegar ao nível de doutorado são 12 anos ininterruptos de estudo partindo da graduação”, esclarece.
- Maria Júlia Souza com Aline Costa – Assessoria de Comunicação