Em audiência na Câmara dos Deputados, CFMV defende ensino presencial e exame nacional para egressos da Medicina Veterinária
13 de julho de 2021 – Atualizado em 13/07/2021 – 2:31pm
A Comissão de Educação da Câmara dos Deputados promoveu audiência pública virtual para debater o Projeto de Lei (PL) nº 7.036/2017, que permite que 10% do conteúdo do curso de graduação de Medicina Veterinária seja ofertado na modalidade a distância. De autoria do deputado licenciado e médico-veterinário Onyx Lorenzoni, o PL determina que as aulas remotas deverão ser restritas a conteúdos de formação geral. O pedido para a realização do debate, na manhã desta segunda-feira (12), foi feito pela presidente da comissão, a deputada Professora Dorinha Seabra Rezende (DEM-TO), e contou com a participação do relator da matéria, o deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ).
Presidente do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV), o médico-veterinário Francisco Cavalcanti de Almeida participou da audiência e defendeu que a Medicina Veterinária é uma profissão extremamente técnica, tendo foco social, econômico e político, necessitando de várias atividades práticas, o que torna a educação a distância (EaD) inaceitável para os cursos de graduação. “Cuidamos de todo o reino animal, considerando o bem-estar e a sanidade dos rebanhos. Não somos contra a tecnologia, mas a educação a distância para a graduação, não, isso é uma afronta”, enfatizou.
Preocupado com a qualidade do ensino, Almeida destacou que, hoje, os cursos deixam a desejar e os números do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) comprovam. O Brasil tem 474 cursos homologados, sendo 459 presenciais, oferecendo 68 mil vagas, e 15 EaD, com 24 mil vagas autorizadas. “O Enade 2019 analisou apenas 215 e só 16 cursos conseguiram nota 5″, afirmou.
O presidente aproveitou a audiência para reivindicar que o conselho participe, junto com o Ministério da Educação (MEC), da homologação de novos cursos de Medicina Veterinária a partir de critérios técnicos. “Vemos cursos sendo autorizados sem condições de formar profissionais de qualidade e fica evidente que o ensino privado só visa à mercantilização”, pontuou.
Como conselho profissional, ressaltou o trabalho em benefício da sociedade e a responsabilidade de mostrar o resultado prático do Enade. “Sentimos o avanço de processos éticos pela falta de conhecimento, especialmente dos formados em cursos particulares. Não somo inimigos, mas estamos fiscalizando o produto que eles oferecem e hoje deixam a desejar”, ponderou Almeida.
O CFMV não é contra o avanço da tecnologia nas estruturas educacionais, mas defende que seja revogada a Portaria MEC nº 2.117, de 6 de dezembro de 2019, que estabelece o percentual de até 40% de oferta de carga horária na modalidade a distância nos cursos presenciais. “Presencialmente, seriam apenas 2.600 horas para estudar o reino animal como um todo e isso é muito pouco para aprender as minúcias de cada espécie. Queremos um curso com 6 mil horas presenciais e o último ano de estágio profissional na área que o estudante escolher atuar”, disse Almeida, que ainda argumentou que as instituições de ensino devem ter autonomia e o professor deve decidir o momento conveniente para os encontros virtuais com os alunos.
Para atestar a qualidade dos egressos, o CFMV propõe a criação do exame nacional, coordenado e executado pelo CFMV, para aferir o que o mercado educacional está oferecendo para atender as exigências da sociedade. “Podemos fazer a avaliação até por especialidade: cardiologia, odontologia, dermatologia, mas o generalista também será contemplado”, garantiu.
O presidente encerrou sua fala destacando que a Medicina Veterinária é uma profissão diferenciada da medicina humana, uma vez que, além da segurança sanitária como missão privativa do médico-veterinário, lida com diversas espécies de pacientes que não falam. Além da saúde animal, os médicos-veterinários compartilham a responsabilidade pela saúde humana e pela preservação ambiental, trabalhando de forma harmônica pelo tripé da saúde única, conceito reconhecido por organismos internacionais.
Sem percentual em lei
O presidente da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação (CNE), Joaquim José Soares Neto, defendeu que o PL não fixe um percentual de ensino a distância. “Por experiência, sabemos que, em vez de ajudar, esse percentual pode acabar sendo um entrave no futuro e pode não ser prudente estabelecê-lo em lei”, disse.
Para Neto, o foco deve ser na garantia das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) da Medicina Veterinária, aprovadas pela Resolução CNE nº 3, de 15 de agosto de 2019. “É reconhecido que cada área de formação tem suas especificidades e elas devem ser respeitadas. Na Medicina Veterinária, a formação prática é muito valorizada e isso já está nas DCN, que são recentes, avançadas e modernas. A Medicina Veterinária é uma área da saúde e os alunos têm de ter contato prático e presencial com os animais. Não há como a tecnologia superar essa necessidade presencial. Estamos passando por processo tecnológico, sim, com mudanças e impactos para a área educacional, mas está garantido na legislação que atividades práticas devem ser presenciais”, reconheceu.
Nessa mesma linha, seguiu o vice-presidente da Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed), Carlos Longo. “As DCN garantem atividades práticas presenciais, seja em espaços profissionais ou laboratórios. Ao mesmo tempo, há mudança de comportamento e a sociedade, em geral, tem outra percepção sobre a usabilidade de tecnologia quando ela é usada para agregar valor ao cidadão”, contextualizou.
Segundo Longo, com as mudanças geradas pela pandemia, dificilmente um aluno terá disposição para ficar duas horas em sala de aula para algo que poderia ser feito on-line. Para ele, o mundo migra para uma educação híbrida e a tecnologia chega para encurtar tempos, espaços e ganhar saberes. “Uma boa lei, que proteja ao cidadão, tem de obrigar que as instituições cumpram as DCN. Mudança com qualidade para a nossa sociedade, sem amarras das quais iremos nos arrepender num futuro próximo”, defendeu.
Para o presidente da Abed, estabelecer um percentual para interação com a tecnologia pode ser um problema, pois o avanço tecnológico é rápido demais. Ele afirma que uma lei pode ser um atraso, travar o desenvolvimento e impactar a inclusão social. “Queremos garantir a qualidade da educação, não um percentual de mais ou menos tecnologia. Devemos respeitar as DCN e as atividades virtuais, sem comprometer as práticas obrigatórias. Defendemos que o aluno possa analisar uma peça 3D em aula virtual, antes de ir ao laboratório”, exemplificou.
MEC
Para debater e subsidiar a oferta de cursos na modalidade a distância, o diretor da Rede de Instituições Federais de Ensino Superior (SESU/MEC), Eduardo Salgado, disse que ministério tem um grupo de trabalho para propor novas políticas e estratégias. O objetivo é estudar formas de flexibilizar o acesso à educação para quem trabalha, permitindo o aprendizado de maneira remota. De qualquer forma, assim como o conselheiro do CNE, Salgado concorda que estabelecer um percentual em lei “pode dificultar a oportunidade de educação em Medicina Veterinária. Queremos aumentar o fomento às ferramentas tecnológicas de inovação voltadas para a aprendizagem, mas seguimos defendendo as DCN, assim como o CNE”, assegurou.
Parlamento
O PL segue em debate na Câmara dos Deputados e, para a presidente da Comissão, o desafio é estabelecer as estruturas de monitoramento e acompanhamento. “Não tenho restrição a EaD, mas temos preocupação com as perdas de conteúdos por conta de estruturas precárias, seja falta de cobertura de internet ou de equipamentos”, constatou Dorinha.
A deputada reconheceu o quanto o país precisa avançar em tecnologia, mas também em arcabouço de acompanhamento. “Nossa preocupação é com a qualidade dos egressos dos cursos de graduação. Reconhecemos um processo de expansão tecnológica, mas também precisamos garantir que não haja cursos ultrapassando os 40% a distância e sabemos que existem”, observou.
A professora questionou qual seria a estrutura do MEC para garantir esse monitoramento, haja vista o percentual reduzido de amostra do Enade. A parlamentar disse apoiar o CFMV na realização do exame nacional nos moldes do da Ordem dos Advogados do Brasil. “Julgamos ser uma ferramenta importante e queremos avaliação de duas mãos. A pandemia nos deu oportunidades de avanço tecnológico, mas não podemos perder o foco na qualidade”, constatou.
Em paralelo, o relator do PL revelou preocupação com os dados do Enade apresentados pelo presidente do CFMV. “Os dados de notas baixas no ensino privado nos preocupam e precisamos de melhoria em todos os segmentos da educação brasileira”, assinalou Cavalcante.
O deputado garantiu ter feito um relatório alinhado com o autor do projeto e que está aberto ao diálogo para chegar a uma proposta equilibrada. “Quero assumir o compromisso com todos para, nesta semana, buscar a melhor equalização, sem produzir irresponsabilidade com a vida animal, mas buscando um ponto de encontro que considere o importante avanço do desenvolvimento tecnológico, mas, é claro, com responsabilidade com a causa animal”, concluiu.
Assessoria de Comunicação do CFMV, com informações da Agência Câmara de Notícias